sexta-feira, 11 de julho de 2008

3 segundos.

É, fazia tempo que as coisas não tinham mais sentido pra mim, sempre sozinha(só a Ana do meu lado, mas ela era como se fosse uma outra parte de mim), escrevia minhas poesias tristes(pensava que escrevia, porque eu só rabiscava palavras) no caderninho vermelho de feixo dourado que ganhei da minha mãe alguns anos atrás, naquele dia em que quase perdi minha virgindade na goiabeira da fazenda da avó da Ana, estavamos tentando ver quem conseguia chegar até o topo e derrepente eu cai de pernas abertas, mas fui amparada por um galho que veio ao meu encontro e que quase me deflorou, sorte que só levei alguns pontos na coxa, mas quase deixei minha virgindade lá com a árvore, talvez ela tivesse sido mais carinhosa comigo do que aquele viado do Pedro que me enganou dizendo que me amava, mas só queria era gozar dentro de mim. Com o passar dos anos, e com as coisas piorando, pelo menos pra mim, comecei a me drogar, comprava ecstasy de um carinha que vinha da capital, já que sempre morei no interior. Naquele dia eu havia brigado com a minha mãe porque ela queria me fazer de empregada e eu já achava que tinha problemas demais e ainda tinha que cuidar daquela casa imunda e fedorenta, só que quando eu menos esperei estava lá, pendurada na ponte, me segurando e ouvindo metade da cidade cochichar atrás de mim, podia ouvir as apostas das pessoas, alguns tinham certeza de que eu pularia, pois sempre fui a revoltada da cidade, outros achavam que não, que eu só estava querendo fazer cena mesmo, no meio de tantas vozes reconheci a da Ana e me virei, ela estava lá, chorando e me pedindo pra que saísse dali.
- Por favor, Ju, sai daí - Ela falou entre soluços.
- Pra que? Pra viver a mesma vidinha inútil que tenho levado nesses 19 anos? - Gritei.
Ana engoliu em seco e falou:
- Ju, você é linda.
- Como tantas outras do colégio - Gritei eu interrompendo seu discurso.
-Todos os garotos querem ficar com você - Burburinhou enchugando as lágrimas.
- É, assim como o Pedro também queria né?
- Ju, por favor me ouve, você não pode desistir da vida assim, lembra quando eramos crianças e você falava que ia ser conhecida no Brasil inteiro? Que todo mundo ia querer ler seus livros e poesias?
- É, lembro sim, e veja ai, pergunta a esse bando de filha da puta quantos já viram algo que eu escrevi - Agora eu também estava chorando, a integridade de Ana sempre me causou inveja, queria entender como ela conseguia ser assim, além de tudo ela era sincera, pura, gentil, era a filha que toda mãe queria ter, mas por me sentir ameaçada por ela preferi ser sua amiga do que sua inimiga.
Ana virou pra todos e começou a soluçar, puxou o ar dos pulmões e gritou que queria que todos a ouvissem, respirou fundo novamente e começou:
- Menino não esqueça:
Se a luz da lua é tão bela
e fugaz como a chama de uma vela.
O amor que sinto é de verdade
e falo com sinceridade
que não quero que ele desapareça!

Todos estavam lá, parados ouvindo Ana recitar uma das minhas poesias enquanto tentava fazer com que sua voz parecesse menos tremula.
- De quem vocês acham que é essa poesia? - Ana perguntou ansiosa.
- Cecília Meireles - Disse o rapaz lá atrás.
- Rachel de Queiroz - Ouvi alguém falando.
- Essa poesia é de alguém que vocês conhecem, alguém a quem vocês não respeitam, mas que mesmo assim sempre engoliu todos as ofensas, todos os xingamentos que vocês lançavam, e com muita dignidade. Essa poesia é de uma poeta chamada Juliana Almeida, essa mesma menina que está aqui na ponte querendo se jogar por que nunca foi conhecida, mas que acabou de ter sua poesia comparada a de grandes poetisas da história - Todos estavam ali de boca aberta, Ana sempre soube o que dizer nas horas certas, o que me fazia ter mais inveja ainda dela. Agora só havia um silêncio cortante rompendo meus pensamentos.
- Você vê, Ju? Tá todo mundo impressionado, lembra que eu sempre falei que um dia você seria a nova voz da poesia desse país? Aqui está a prova, você pode, mas só se você sair daí, sua vida tem que continuar, você não pode privar o mundo de conhecer a forma dos seus sentimentos - Ana agora chorava mais do que nunca.
Eu me virei e vi a todos ali, perplexos, de boca aberta, o que eu faria agora? Tentaria ser eu de novo e viver ali onde todo mundo me odiava? Ou acabaria com tudo? Eu sentia o suor correr no meu rosto e pingar pelas pontas do meu cabelo, que eu mesma fiz questão de cortar em um ato de loucura, olhei pra baixo e vi as pedras que apareciam no rio seco que cruzava a minha cidade, olhei novamente pra Ana e vi sua mão estendida.
- Ju, eu preciso de você amiga - Ela falou agora se desmanchando em lágrimas.
Me virei, olhei os rostos de todos ali que me olhavam, não sei se queriam que eu me jogasse de vez ou se alguns tinham esperança de que eu me salvasse. Virei o resto do meu corpo, e levantei a perna para passa-la para o outro lado do ferro que protegia a ponte, mas quando tirei o meu pé do chão o outro escorregou e eu fiquei pendurada apenas pelas mãos, ouvi Ana gritar e a vi correr pra me salvar, mas era tarde, minhas mãos suadas escorregavam pelo ferro e eu já estava caindo. Pareceu uma eternidade, mas a última coisa que vi, foi o rosto de Ana, chorando, chorando como nunca a havia visto antes. Pronto, a minha vida tinha acabado em apenas 3 segundos, se seria uma poeta, não sei. Ana juntou dinheiro por anos e publicou um livro com minhas poesias, foi um sucesso, todos adoravam a maneira como eu fugia do meigo para o agressivo em apenas duas letras.
- Ju, aqui está, eu sempre soube que você iria conseguir, o país inteiro está lendo seu livro, é uma pena que você não possa ver com seus próprios olhos - Ana falou em frente ao meu túmulo no cemitério apertado da cidade, colocou o livro com minhas poesias em cima das flores que minha mãe fazia questão de trocar toda semana, rezou um pouco por mim, pediu perdão pelas vezes que me fez ter raiva dela e se foi, jurando que nunca ia esquecer dos nossos momentos, das nossas risadas, da nossa amizade. Esse foi o meu fim!

9 comentários:

LeLe disse...

Ain thuthu...
Eh lindo e triste ao msm tempo, mo vontade de chorar, emocionou nhaim...
Lindo viu...
Bjaum

lipimveloso disse...

nussa..
gnt chocado com isso..
no começo achei q era engraçado por conta da arvore e achei q era com vc..
mas com o desenrolar da historia vi q nao..
viu...num disse q vc ia escrever ate melhor que seu pai?
ta lindu filhote...
abração te cuida

descolonizado disse...

às vezes as coisas mais bonitas me parece serem as mais triste.

sei lá. mundo estranho!

FOXX disse...

muito bem
cada vez melhor!

F disse...

Achei que ia rolar um ato TITANIC ali, mas não. Curti.

abraço

Goiano disse...

a parte das pernas abertas
é um classico
uhahuauha

Goiano disse...

otimo texto

Amanda disse...

Pensei que ela não ia pular oO
muito chocante, adorei seus textos
vou te linkar ta ?
abraços

Thiago de Assumpção disse...

que triste...
me emocionei pacas...